Uma barriga, diferentes personalidades
“Com um filho você pode fazer rodízio de tarefas, com gêmeos é impossível!” Dessa forma o professor de inglês David Stefanski começa o bate-papo sobre a criação das gêmeas bivitelinas, Denise e Bianca, de 4 anos de idade. Ao conhecer a dupla, uma diferença salta aos olhos: uma é loura e a outra morena, mas o papai avisa: as particularidades não param por aí!
A vida do professor mudou totalmente desde o início da gestação, a saúde da esposa sempre foi sua maior preocupação, por isso passou dias fazendo pesquisas na internet em busca de sites de referência sobre gestações múltiplas. Em casa formou um verdadeiro arsenal de fraldas, mamadeiras e roupinhas. E, mesmo contando com a ajuda de uma babá nos primeiros meses de vida da dupla, sua esposa decidiu que ela cuidaria das duas, e ele, também.
A solução foi criar uma metodologia para cuidar de “Amy Winehouse”, a Bianca, e “Princesa Diana”, a Denise, como ele carinhosamente as apelidou. “Amy conhece todo mundo na escola, o diretor disse que ela está sempre no meio das bagunças. E quem vem logo atrás, apoiando, é a Diana, bem mais calma e serena”, diverte-se.
Identificar é palavra de ordem na vida dos pais de múltiplos. Saber qual é o líder, quem dá as ordens ajuda a estabelecer as regras e a rotina da família. E isso, claro, contando com o fato de que os pais vão se desdobrar para dar atenção a todos. David sabe muito bem disso.
“Para evitar brigas, defini que o lado esquerdo é da Denise e o direito da Bianca”, conta. Isso serve quando estão brincando ou passeado. Certa vez, saindo de um restaurante, o pai se recorda que acabou dando a mão direita para Denise. Bianca vinha logo atrás com a mãe e, quando viu, saiu correndo gritando: “Esse é o meu lado!”. David logo trocou as mãos em respeito às regras.
Resultado inesperado
“O que vai ser da nossa vida?”, perguntou a jornalista Caú Barbosa para o marido quando recebeu a notícia de que seriam pais de quatro crianças de uma só vez. Essa, aliás, é uma reação comum nos consultórios em caso de gestação múltipla, ainda que tenham feito tratamento de reprodução assistida. Logo depois da comprovação surgem os medos e as dúvidas: como criar, educar, alimentar.
Para a psicóloga Dra. Maria Teresa Reginato, os pais precisam viver fase por fase, não adianta nada se preocuparem em como pagar a faculdade quando os bebês ainda estão usando fraldas. “A primeira coisa é pensar na logística, em como deixar o lar confortável para os nenês e para a mamãe”, aconselha a doutora. Uma vez definida a estrutura, a gestante se sentirá muito mais segura e tranquila.
Mãe dos gêmeos univitelinos Arthur e Gabriel, de 3 anos, Ana Carolina Pini, coordenadora comercial com formação em relações internacionais, é aquele tipo de mulher prevenida. No caso de receber dois bebês em casa, ao mesmo tempo, isso conta pontos a favor.
“Antes da chegada deles, fizemos um curso de gestante e amamentação, depois contratamos uma babá que está conosco até hoje. Arrumei as nossas malas da maternidade desde 31 semanas e comprei todo o enxoval logo no começo da gestação, porque no final sabia que ficaria com menos disposição”, recorda.
Emoção multiplicada
Se toda gravidez exige cuidados, uma gestação gemelar requer atenção proporcional ao número de crianças. A própria mãe passa por modificações em seu organismo, diferentemente daquelas que terão apenas um filho. O volume do útero e do sangue praticamente dobra e os riscos aumentam.
Tudo o que uma gestante “normal” sentia, no caso de Caú, era multiplicado por quatro.“Passei muito mal nos primeiros meses, cheguei a ficar dois dias sem nem tomar água de tanto enjoo”, recorda a mãe de Sophia, João Pedro, Laura e Beatriz, que passou a gestação inteira (33 semanas) de repouso e tomando medicamentos. A mamãe não se submeteu a nenhum tratamento para engravidar. A razão dos múltiplos, segundo seu médico, foi uma superovulação.
Para o obstetra e especialista em gestação gemelar Dr. Wagner Rodrigues Hernandez, o acompanhamento, nesses casos, precisa realmente ser criterioso e os exames mais frequentes. “O risco de prematuridade é o mais temido, mas também há preocupação com baixo peso, diabetes, pressão alta e anemia”, completa o profissional.
Independentemente de toda a dinâmica, o maior medo dos pais é se os filhos nascerão saudáveis e se a mãe terá a saúde preservada, isso porque, de maneira geral, as gestações gemelares não chegam a completar 40 semanas, duram de 32 a 36 semanas.
“Os múltiplos têm chances elevadas de nascer e ser levados direto para a UTI para que possam ganhar peso e até mesmo para que não tenham dificuldade de respirar, pois o pulmão ainda não está ‘maduro’”, completa Dr. Wagner.
Hora de estabelecer a rotina
Mãe de múltiplos precisa de muito mais do que uma mãozinha. O pai, os familiares e até os amigos costumam ajudar bastante na rotina dos pequenos. “É preciso estabelecer horários e criar métodos que não sejam estressantes nem para os pais, nem para as crianças”, pondera a psicóloga Maria Teresa, mãe das gêmeas Eliane e Luciana Ogata.
Em casa, o cuidado e a dinâmica da troca de fraldas, da mamada e dos passeios são comparados pelos pais a uma linha de produção. “Mãe de gêmeos precisa de ajuda, nem que seja ficar com um dos bebês no colo enquanto damos atenção para o outro. O mais complicado em casa era durante a noite, porque meus meninos nunca dormiram a noite toda”, lembra Ana Carolina. E não só as horas de sono ficavam acumuladas, a conta das fraldas também era alta, cerca de R$ 1.200 por mês.
Na casa dos quadrigêmeos de Caú, as visitas ajudavam em tudo. Hoje, com as crianças aos 4 anos de idade, ela se orgulha de seus métodos próprios, como o da amamentação e da troca de fraldas. “Amamentei por ordem de nascimento até os 5 meses. Colocava o despertador para tocar de 3 em 3 horas, não esperava eles acordarem com fome, e a cada mamada trocava as fraldas. Montei um quadro com uma tabela para saber qual deles havia feito cocô. Eu tinha medo de algum bebê deixar de evacuar”, conta.
A fórmula da educação
Quando o assunto é educação e transmissão de valores, não há muito a temer, afinal, não existe fórmula pronta para educar os gêmeos. Tudo é uma questão de fase, de conhecer os filhos e de fazer testes.
Dra. Maria Teresa aconselha os pais a sair individualmente com cada uma das crianças. “Crie oportunidades de estar sozinho com uma delas. Esse será um momento de individualidade, de identificar a personalidade daquele pequeno e de entender qual a melhor forma de estimular seu desenvolvimento”, indica.
“Tento fazer programas individualizados. Quando vou ao médico, por exemplo, levo um deles e aproveito para ir à praça ou ao mercado. Meu marido também costuma levar só um à padaria. É uma farra! Quem vai às compras sempre quer trazer uma lembrança para o irmão”, diz Ana, que já notou o quanto os seus filhos valorizam essa atenção individual.
Embora seja comum generalizar, desde o intraútero cada um dos múltiplos manifesta reações diferentes em resposta ao meio ambiente. Até mesmo durante o ultrassom dá para notar o quanto um é mais agitado do que o outro. Cabe às pessoas entenderem que, mesmo sendo gêmeos idênticos, eles são pessoas diferentes e, portanto, precisam ser tratados como tais.
“João tem o próprio quarto, ele é o príncipe, e elas são as terríveis. Eles sabem que têm que dividir. Beatriz é geniosa. Sophia, superr-esolvida. Laura, independente”, resume Caú. Esforço redobrado, alegrias também!
Perguntas que não querem calar!
É correto vestir os gêmeos com roupas iguais?
Para a psicóloga Dra. Maria Teresa, um é diferente do outro, e a questão de vesti-los de forma igual pode atrapalhar na formação da identidade de cada um deles. Os pais também são unânimes: o estilo pode ser o mesmo, mas as cores diferentes. Mesmo que a roupa dos gêmeos seja igual, a especialista alerta para jamais comparar os irmãos e sempre ressaltar as qualidades de cada um, a individualidade.
Os múltiplos devem estudar na mesma sala de aula ou seria eficaz separá-los?
As opiniões se dividem nessa questão. Dra. Maria Teresa defende a ideia de que os múltiplos precisam ficar em salas separadas na escola, pois isso faz com que cada um desenvolva as próprias capacidades. Dividem a mesma opinião as mães Caú e Ana Carolina. Já David prefere manter as duas na mesma sala. “Quero que a professora deixe-as em cantos separados, mas na mesma sala. Tenho certeza de que conseguem criar o próprio grupo de amigos e uma ainda poderá apoiar a outra quando preciso”, conclui.
Em caso de brigas entre os irmãos, os pais devem interferir para tentar resolver?
A psicóloga acredita ser comum a fase da disputa entre irmãos. “O que não pode é valorizar a situação”, aconselha. Quando as crianças começam a brigar, o professor David não se intromete, prefere deixar que se entendam.