Trabalho voluntário - solidariedade para quem precisa
São 6h40 da manhã. O repórter chega ao Hospital Albert Einstein, bairro do Morumbi, numa manhã nublada. No terceiro andar do prédio, ele tem um encontro marcado às 7h15. Ele sobe, vê a placa identificadora do local aonde queria ir, senta-se e espera. Uma senhora chega. Cumprimentam-se, trocam algumas palavras e descem pelo elevador para embarcar na perua, que parte às 7h25min.
No seu interior, além do motorista, a coordenadora geral do Departamento de Voluntárias do Hospital Albert Einstein, a socióloga Seida - a mulher por quem o repórter esperava duas médicas e a ex-industrial e hoje voluntária Tânia. Destino: bairro (ex-favela) de Paraisópolis. Paraisópolis: cidade do paraíso, segundo a etimologia. Se for isso, então o paraíso é logo ali na esquina: chegamos em cinco minutos, após contornarmos o Palácio dos Bandeirantes, sede do governo do Estado de São Paulo.
Da rua de terra batida em que se localiza o Posto de Atendimento das Voluntárias podemos ter uma boa visão do bairro, com suas casas de alvenaria sem acabamento e alguns edifícios luxuosos ao fundo. Esse contraste dá ao visitante a impressão de ter encontrado a encarnação da Belíndia, essa mistura de Bélgica e Índia que alguns sociólogos e economistas dizem ser o Brasil. Mas aqui não há lugar para teorias. Estamos no mundo real, em que pessoas que sofrem e precisam de ajuda a encontram, todos os dias, gratuitamente - e quase sem nenhum apoio oficial.
Uma história comum
No interior do posto, os passageiros da perua começam a assumir seus lugares. Enquanto Tânia e Seida examinam e separam fichas e prontuários e as médicas se preparam para o atendimento, os moradores começam a chegar com suas crianças.
Pessoas como a pernambucana Judite Francisca Gomes de Oliveira, 30 anos, casada, dona de casa, morando há três anos em Paraisópolis, que chega com a criança de colo José Alex, de 1 ano e 6 meses, e a menina Alexsandra, de sete.
"Venho aqui desde que começou a funcionar", diz Judite. "Elas são muito educadas, nunca tive nenhum problema, e minhas crianças sempre foram bem atendidas", garante. Sua história de vida é bastante conhecida: seu marido saiu sozinho da cidade onde eles nasceram para fugir da seca, encontrou emprego em São Paulo como pedreiro, construiu a casa no Paraisópolis e mandou a passagem para ela. Sobrevivendo apenas com o salário do marido, a família de quatro pessoas não pode dispor de dinheiro quando alguém adoece.
São oito da manhã, e as crianças começam a ser atendidas. Todas são devidamente matriculadas no posto. Isso permite que os médicos acompanhem de perto sua saúde, e também evita fraudes. Tânia parece atrapalhar-se um pouco com as fichas, mas logo se recupera. Começa a chamar os pequenos pacientes e seus acompanhantes para a consulta.
Finalmente chega a vez da filha de Judite, a pequena Alexsandra, que, com uma catapora ainda mal curada, vinha apresentando alguns sintomas da doença. A médica a examina cuidadosamente, faz-lhe algumas perguntas, dá suas recomendações e prescreve os remédios que a mãe obterá ali mesmo. Satisfeita, a família retorna para sua casa no Paraisópolis.
Cursos e reforço escolar
Mas Tânia prossegue seu trabalho incansável. Para lá e para cá, como uma formiguinha, chama as crianças pelo nome e orienta os pais. Esclarece dúvidas, ajuda a preencher formulários, fala firme porém educadamente com uma mãe que pensou ter ouvido o nome do seu filho e tentava fazer com que ele fosse atendido. Seu trabalho prosseguirá assim até as onze e meia.
No entanto, o relógio desta reportagem marca ainda 10 horas, e esse é o momento de conhecermos mais uma voluntária e seu trabalho. Seu nome é Yara, ex-química que hoje faz às vezes de professora na casa 2, que é como as voluntárias chamam o prédio que fica um nível abaixo da entrada principal. As crianças, aqui, recebem reforço escolar quando precisam, e aprendem a desenvolver seu potencial artístico, num programa chamado Arte-Despertar.
Além desse trabalho de formação para os pequenos, promovem-se cursos e palestras para os adultos que abordam importantes e variados temas de saúde, tais como contracepção, prevenção de doenças, higiene, etc. A casa 2 é parte fundamental de todo o projeto das voluntárias, que pretendem melhorá-lo ainda mais com a criação de cursos profissionalizantes (como corte e costura e outros) e o plano que é a menina dos olhos da coordenadora geral (e de todas as voluntárias): a construção de uma quadra de esportes para as crianças.
Enquanto o sonho da quadra não se realiza, elas prosseguem seu trabalho. Às 11h45min, a perua retorna para o hospital, mas o posto permanecerá aberto, com outras voluntárias. São 11h:51 agora, e Seida e Tânia têm ainda outras questões para debater.
Depoimentos:
Tânia
"Tenho 62 anos, sou casada, tenho três filhos e uma neta de 16 anos. Trabalhava com meu marido, nós tínhamos uma firma durante 34 anos, fechamos faz 3 anos, me aposentei e agora sou voluntária. Éramos industriais. Há questão de um ano e meio comecei a trabalhar como voluntária. Já conhecia o trabalho delas há muitos anos, sempre tive muita vontade de fazer a mesma coisa. Assim que me aposentei encontrei o tempo necessário, e agora estou aqui. Algumas amigas se admiraram quando lhes contei, sabe, aquela coisa: "nossa, você está na favela"... Mas minha família sempre me apoiou. E o trabalho voluntário é bastante gratificante. É trabalhoso, é corrido, mas é gratificante. Na escala, eu venho duas vezes por semana, segundas e quartas, pela manhã, das sete e meia às onze e meia. Quando acumula, ou existe algum trabalho extra, a gente acaba fazendo mais um período, mas isso é mais comum no fim do ano, por causa das cestas de natal."
Yara
"Tenho 50 anos, sou casada e com três filhos, e sou voluntária da recreação há cinco anos. Cheguei a um período da vida em que meus filhos já estão crescidos e, agora, eu acho que nada mais justo do que fazer alguma coisa pelos mais necessitados. Fiquei sabendo do por meio de pessoas que frequentam o Einstein e de uma amiga. Eu fui, marquei uma entrevista, me chamaram e comecei a trabalhar. Eu fui química. Quando meu primeiro filho nasceu, larguei tudo e fiquei sendo só mãe. Eu queria mesmo fazer isso, porque eu acho que é uma coisa tão boa para eles, e também para a gente, porque a gente se sente tão bem fazendo alguma coisa pelo próximo. Meu marido é engenheiro; meu filho mais velho vai se formar médico ano que vem, o segundo é advogado, e tenho a menina que pretende fazer Direito também, e futura voluntária (risos). Tenho apoio, eles me elogiam, meu sogro, quando vê alguma coisa do voluntariado, fica todo orgulhoso. É gratificante."
Depoimentos: Trinta anos de sonhos e conquistas
"O trabalho das voluntárias começou em maio de 1969, fruto do idealismo de um grupo de senhoras que trabalhava na construção do hospital. Tivemos a ideia de criar uma pediatria assistencial para a população carente de São Paulo. O começo foi através da campanha de vacinação Sabin. A secretaria de Saúde instalou um posto provisório no hospital - que estava praticamente pronto - e nós saímos para a favela, ajudando a fazer a vacinação. Este foi o nosso início, visitando as favelas e dizendo que em breve teríamos um hospital voltado para a criança, no início com um ambulatório, e futuramente com uma enfermaria de pediatria assistencial. Nosso começo foi duro, precisávamos ir atrás de nossos clientes. Hoje não precisamos mais, eles vêm a nós.
O posto tem um ano e dez meses no bairro de Paraisópolis. As duas casas foram compradas pelas voluntárias, doadas à sociedade, e ali implantamos, na casa 1, o ambulatório de pediatria, em que estão atendendo onze pediatras contratados e nove voluntários especialistas nas áreas de ortopedia, cardiologia, neurologia, plástica reparadora e outras.
Decidimos ficar só com a área de Paraisópolis em 1995 porque não dava mais para atender toda a cidade. De segunda a sexta-feira atendemos,no período da manhã, cerca de 120 crianças; à tarde, outro tanto. Fornecemos também a medicação e os exames clínicos, laboratoriais e radiológicos. O que não pode ser feito no posto, é feito no hospital.
Na Casa 2 temos a promoção da saúde através de parcerias com entidades e empresas como a Schoering-Plough (Arte-Despertar) e o Senac, que dá cursos profissionalizantes. Um grupo de voluntárias fez treinamento com a Schoering-Plow para dar cursos a turmas fechadas de 20 mães. Enquanto elas assistem, outro grupo de voluntárias fica entretendo as crianças. A partir de novembro faremos cursos de trabalhos manuais (também com recreação infantil). A mãe estará aprendendo costura, tricô ou bordado para fazer em casa e conseguir uma renda extra, e, enquanto isso, sua criança estará aprendendo e brincando.
Temos uma parceria com psicólogas da PUC que dão atendimento às crianças encaminhadas pelo pediatra ou pelas agentes comunitárias, quando elas detectam algum problema na casa. As agentes comunitárias são contratadas pelo hospital e são subordinadas ao departamento de voluntárias.
Temos também um grupo que dá um reforço escolar. As crianças com dificuldades de aprendizado passam pela psicóloga que, se não detectar nenhum problema psíquico, as encaminham ao reforço. A função delas (pedagogas, psicopedagogas e normalistas) é ajudar na alfabetização dessas crianças ou na melhoria de seu desempenho escolar.
Foi feito um levantamento minucioso do bairro de Paraisópolis, e constatou-se que temos uma população de 40 mil pessoas, das quais 11 mil são crianças até 12 anos. Temos cinco grandes grupos no bairro. Numa das áreas, que nós chamamos de Grotinho, detectamos a maior necessidade da nossa atuação. Lá, a pobreza é maior, o esgoto está a céu aberto, as casas são mais rudimentares, e isso fez com que concentrássemos nossos esforços ali.
Então estamos dando preferência à matrícula dessas crianças. A agente comunitária vai e acompanha se o que está sendo ensinado no posto está sendo executado pela mãe. Assim podemos verificar se a nossa atuação está ou não produzindo efeitos.
Temos aqui 156 voluntárias. Para cada um dos dezenove setores em que dividimos o departamento, a voluntária tem um perfil diferente. A idade mínima é de 21 anos. Pelas experiências que tivemos no decorrer desses 30 anos, sentimos que a voluntária jovem só pode atuar em algumas áreas. Normalmente ela está se formando, e, por isso, está preocupada com a carreira, não sobra muito tempo para ela se dedicar ao voluntariado. No Brasil, a voluntária jovem é ainda muito rara. A gente tenta mudar isso, trazendo-a em situações esporádicas, nas campanhas que precisam de grupos de jovens.
Mas no trabalho sistemático a voluntária que vem até nós já tem uma situação definida na vida, o seu tempo livre, sua carreira engatilhada, já pode se dedicar. Mas é preciso ter vontade de se doar.
O contingente maior de voluntárias é entre 40 e 60 anos, mas temos uma de 84 anos. São profissionais liberais, donas de casa, comerciantes, industriais. Gostaríamos de ter também voluntários homens. À noite, em certos setores, precisaríamos de um homem. Mesmo junto às crianças é interessante ter um voluntário, porque a figura masculina é importante, o mundo não é feito só pelas mulheres.
Tínhamos um índice muito grande de desnutrição das crianças. Com os esclarecimentos, os cuidados com a água, as benditas gotinhas, a esterilização das frutas e verduras e o soro caseiro, a desidratação, diminuiu muito. A população já aprendeu a cuidar melhor da higiene alimentar. Falta o saneamento básico, mas isso não depende deles, a gente tenta ajudar com alguns conceitos.
Através da criança melhoramos o nível de consciência. Educação é a base de tudo. Além de fazermos essa parte curativa no ambulatório 1, nós fazemos a prevenção e a educação. Nossa missão é promover a saúde através da educação. Conversando, a mãe entende os conceitos. A criança aprende enquanto está brincando; através dela, a mãe às vezes acaba se corrigindo, elas trocam informações.
Para ser voluntário do Hospital Albert Einstein é preciso primeiramente participar de uma palestra de apresentação que deve ser agendada pelo telefone: 2151-3580. Atualmente a instituição conta com a colaboração de mais de 400 pessoas.
Dicas para quem quer participar do voluntariado do Hospital Albert Einstein:
-
Disponibilidade de 4 horas semanais para dedicar-se à atividade, além de participar de cursos e reuniões promovidas pelo Departamento de Voluntários;
-
Ter idade mínima de 21 anos;
-
É possível atuar de acordo com os critérios estabelecidos e com suas características:
-
no Hospital Israelita Albert Einstein;
-
no Programa Einstein na Comunidade de Paraisópolis;
-
no Residencial Israelita Albert Einstein;
-
e nas Parcerias Públicas.
O Hospital Albert Eistein informa que não é disponibilizado trabalhos voluntários na área profissional pois, na Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, todas as ações volutárias desenvolvidas são de apoio humanitário.
Mais informações no site: www.einstein.br