Ter filho único
Há algumas décadas a estrutura familiar era formada por casais com imensa prole. Mas, aos poucos, as casas grandes, as mesas com muitos lugares foram perdendo integrantes, reduzindo o tamanho e muitos pais tem optado por ter filho único. No ano 2000, o Censo revelou que a árvore genealógica do brasileiro mudou e a cada dez casais, oito optam por filho único. Entre inúmeros motivos, alguns dos mais relevantes são a maior participação das mulheres no mercado de trabalho, o aumento das campanhas de planejamento familiar e a maternidade tardia, quando a mulher opta por ser mãe somente após alcançar estabilidade profissional.
Esses fatores formaram uma "geração de filhos únicos" que tem pela frente o desafio de derrubar estereótipos como o da solidão, do egoísmo e da falta de sociabilidade. Segundo Marisa Orocchio, psicoterapeuta, essa tarefa requer a participação efetiva dos pais, que devem promover educação e disciplina e estabelecer limites. Para ela, essa é a base para formar filhos únicos mais fortes, confiantes e seguros. "O estabelecimento de regras e de limites forma a base educacional e futuros adultos competentes e maduros". Para a psicoterapeuta, limites ensinam a esperar e inibem as manipulações infantis. "O mundo não responde de forma imediata, se a criança cresce sem limites pode tornar se um adulto problemático".
Marisa ressalta que "disciplina não é a mesma coisa que opressão. Ao contrário, é uma maneira, inclusive, de conquistar respeito, atitude que reflete dentro e fora de casa". Segundo ela, nas relações norteadas pelo respeito é possível transmitir confiança e disciplina por meio do olhar. "Essa comunicação é mais forte do que qualquer palmada ou repreensão verbal. Pelo olhar as emoções são transmitidas", afirma.
Mariana Clara de Souza Neves, 18 anos, reconhece que a criação embasada nesse "tripé" possibilitou uma relação de confiança entre a garota e a família. Ela conta que seus pais, Ana Lucia Souza e Hebert Pereira Neves, fizeram do diálogo um aliado. Apesar de ser filha única, os pais tomaram o cuidado de não mimá-la. "Minha mãe não era super protetora, ela estabelecia os limites e me orientava", conta a garota ao lembrar que aos seis anos, a mãe passou a trabalhar fora e ela ficava parte do dia sozinha. "Sendo filha única,tinha de me virar, o que foi uma lição de vida".
Ser social
Se o homem é um ser social, estabelecer relações desde cedo é um importante exercício. Marisa Orocchio afirma que para garantir a sociabilização da criança é necessário fomentar seu contato com outros pequenos além do ambiente escolar. "A escola já exige a convivência, mas é importante garantir uma atividade extracurricular, como esporte ou música, para que haja outras maneiras de integração social, principalmente para filhos únicos". Segundo ela, o segredo está em respeitar o espaço e a individualidade dos pequenos, dosando a convivência e o direito de estar sozinho por alguns momentos. "Permitir que a criança tenha seu próprio espaço gera autonomia e segurança", diz Marisa.
Patrícia Guerra, 33 anos, percebe a diferença no comportamento de Gabriel, 6 anos, seu único filho, quando ele está junto de outras crianças. "É nítido, nos poucos momentos em que ele está com as primas parece que vai para outro mundo", diz a mãe ao ressaltar que apesar de a família cercá-lo de afeto e brincadeiras é comum o menino pedir companhia."Vejo que ele sente falta de conviver com outras crianças", ressalta.
Não é não
Dizer não ao filho, principalmente se ele é o único, é uma atitude difícil e que pode gerar culpa. Para Marisa Orocchio, agradar a criança na tentativa de aliviar suas carências e solidão é um erro. "Agindo assim os pais tornam se complacentes com as manipulações infantis", alerta.
Patrícia Guerra confessa que, por passar muito tempo fora de casa, aproveita os finais de semana para estar ao lado do filho e que, nessas ocasiões, dizer "não" ao menino é complicado. "Negar é difícil, mas está cada vez mais necessário. Entendo que isso vai fazer com que ele amadureça". A mãe está empenhada em fazê-lo entender para ganhar alguma coisa terá de merecê-la. "Ele vai aprender a valorizar as coisas", conclui.
A criança pode responder ao não com a birra, mas Marisa orienta os pais que sejam firmes. "Se a criança sempre for atendida vai crescer acreditando que terá tudo ao alcance, e com facilidade", diz a terapeuta.
Fim de reinado do filho único
A chegada de um irmão muda tudo na vida de um filho único. Pais, quarto, brinquedos, tudo dividido. "Se esse fenômeno ocorre quando o primogênito tem entre 7 e 12 anos a aceitação pode ser delicada", diz Marisa Orocchio. Ela recomenda muito diálogo para que o novo membro da família não seja visto como inimigo. Segundo Marisa, as crianças sempre reagem à vinda de um irmão, o segredo está em demonstrar que quem está chegando é amigo.
Por outro lado, a psicoterapeuta explica que algumas crianças, que são filho único, não se incomodam, ao contrário. É o caso de Gabriel Guerra que já garantiu à mãe que a ajudará se ela tiver outro bebê. Para a terapeuta, o importante é afirmar e demonstrar às crianças, filhos únicos ou não, que o amor e a relação com os pais são únicos. Se houver a vinda de um irmão, o sentimento e a relação não mudarão. Dessa forma, o novo membro da família será amado e acolhido.
Veja 5 dicas importantes para lidar com o filho único:
1- Respeite a individualidade e personalidade da criança;
2- Não tente suprir desejos e frustrações com a desculpa de ser filho único;
3- Não subestime a capacidade da criança;
4- Estabeleça limites e regras disciplinares;
5- Incentive a convivência com outras crianças, especialmente as de mesma idade.