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Separação do casal pelo ponto de vista da criança

 

Podemos imaginar que, em momentos de fúria, nada mais importa, a não ser destilar o fel da raiva e da decepção sentida um pelo outro.

Porém não se deve esquecer que, dois seres transformaram-se em pai e mãe, com o dever de zelarem pela integridade física e mental dos filhos.

Todas as pessoas em torno do casal continuarão existindo, tendo que lidar com angústias e com momentos difíceis.

Poucas pessoas estão dispostas a encarar seus problemas de frente, sem se valerem de subterfúgios e escapes, com o objetivo de não se falar a respeito daquilo que mais incomoda.

A criança é um alvo muito fácil perante as dificuldades dos adultos em falarem a respeito daquilo que ninguém diz, mas tem muita vontade de dizer. Ela, muitas vezes, é usada para falar aquilo que o adulto não tem coragem de dizer a outro adulto. Muitas vezes esses adultos são seus familiares e, por mais que se imponham às crianças, elas continuam tendo idéias próprias a respeito deles. Pelo menos deveriam ter, ou serem estimuladas nessas idéias e não manipuladas em seus pensamentos.

A criança deve ser respeitada para poder aprender a respeitar também. Se os pais separados não se entendem entre si, muitas vezes não entendem a si próprios. Imagine só o que se passa pela cabeça de uma criança, no meio de tanta desordem. Os pais podem ser responsáveis no plano jurídico, no plano da educação moral, mas não podem responder a tudo. Aliás, alguém pediu a aprovação dessa criança no momento da separação? Sua vida não pode ser um "pingue-pongue" nas mãos de poderosos adultos que dizem por elas palavras que nem ousariam pensar, que a cerceiam de estar com as pessoas tão íntimas, próximas, que fizeram parte do seu pequeno universo.

Um adulto consciente deve repensar seus valores, pesar as consequências de seus atos e ter a humildade de saber se será capaz, neste momento, de lidar, de uma forma menos destrutiva, com suas emoções, sem que façam mal tanto a si próprio, quanto às pessoas que compartilham sua vida e a de quem devem educar.

Pais e filhos, adulto e criança possuem visões diferentes. É que os pensamentos dos pequeninos não se sucedem de modo ordenado como os do adulto e, se este, por sua vez, insistir que seu modo de ver as coisas é o correto - como até pode ser, visto pela ótica do adulto - a criança se sentirá só e desesperançada no seu caminho.

Quando uma criança tenta entender-se e entender os outros, ou imaginar as consequências possíveis e específicas de alguma ação, acaba desenvolvendo fantasias que preocupam sua mente em torno destes resultados.

Se o adulto ajudar a manter estes monstros dentro da criança, sem falar deles, ou escondidos no inconsciente dela, irão impedi-la de elaborar as fantasias mais primitivas de sua mente. Sem tais fantasias, a criança não consegue conhecer melhor seu mundo interno, nem recebe sugestões sobre a forma de conseguir entendê-lo. Em conseqüência, fica impotente face às suas ansiedades. 

Piaget descreve como uma criança de menos de quatro anos perguntou-lhe sobre as asas do elefante. Ele replicou que os elefantes não voam. Ela insistiu: "voam sim, eu vi". A menininha obviamente estava lutando com algum problema, e as explicações factuais não serviram para nada, pois não se dirigiram ao problema.

Se Piaget tivesse entabulado uma conversa sobre a pressa do elefante em voar, ou sobre os perigos dos quais o elefante estava tentando escapar, as proposições a que a criança estava se aferrando emergiriam, porque Piaget teria demonstrado sua boa vontade em aceitar o método dela explorar o problema.

Pais sensatos procuram ouvir seus filhos, observá-los e apoiá-los. Afinal, todos estão inalando o mesmo ar, estão juntos e se separando juntos também. As crianças constroem através de seus recursos e de uma forma muito mais desprotegida. Utilizam mecanismos próprios de ajuda para um momento de tamanha dor mental como este.

Cabe aos pais cuidarem dessa criança, fazendo o possível para acompanhá-la no seu sofrimento. Estarem perto já é o bastante. E custe o que custar, poupá-la de um mundo adulto incompreensível para elas, já que nem os adultos, muitas vezes, conseguem entendê-lo e suportá-lo.

Em determinados casos, os pais deveriam ter a humildade e coragem de perceberem-se inaptos para lidarem com certas situações. Neste momento, pensando na responsabilidade que possuem em relação a futura formação da vida emocional e afetiva de seus filhos, deveriam procurar ajuda psicológica.

Dizer-lhes onde se enraíza seu saber sobre si mesmo e sobre seu valor para quem o ama e garante sua educação, independente das turbulências que possam ocorrer durante o percurso de sua existência. Essa é uma forma de garantir-lhes a segurança mínima para seus passos titubeantes de agora.