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Pai moderno

 

Há dois meses, Jorge Araujo Colognesi sai de casa para o trabalho com certa dificuldade, carregando um aperto no coração. É que, depois de perder o emprego anterior, em outubro de 2009, o técnico em informática passou sete meses em casa, com o filho André Vinicius, de nove anos. Agora, é difícil deixar o menino em casa.

"Temos uma relação muito próxima, eu sou o herói do meu filho. Ajudo com os deveres de casa, dou carinho. Converso com ele sobre tudo, orientando-o da melhor forma possível", orgulha-se. Em casa, ele fazia um pouco de tudo enquanto a mulher, Cláudia Colognesi, trabalhava fora: limpava, cozinhava, fazia trabalhos eventuais como freelancer e, principalmente, cuidava das coisas relacionadas a André - é um exemplo de pai moderno.

Por décadas, o estereótipo do pai era justamente o oposto do pai moderno que Jorge representa. Mais autoritário, conservador, afastado e pouco afetivo, o pai tradicional que participa da vida familiar apenas como provedor ainda existe - enquanto isso, a mãe fica responsável por acompanhar de perto a ordem da casa e o desenvolvimento emocional e educacional das crianças. Mas, pouco a pouco, os dois modelos vão se equilibrando. O tradicional cede espaço para aquele mais próximo afetivamente do cotidiano dos filhos - o pai moderno.

"Não dá para generalizar, mas a gente percebe um desenvolvimento emocional maior nos pais de hoje. Há algumas décadas, esse acompanhamento emocional dos filhos ficava somente a cargo da mulher", observa Vera Lúcia Rezende, psicóloga do Caism (Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher) da Unicamp. A psicóloga afirma que o envolvimento afetivo do pai depende de alguns fatores, como o componente emocional deste homem, a história de vida, a relação com a parceira, a vivência da paternidade que ele teve com o próprio pai e de como esse homem vê a importância do filho na sua vida.

Laços de afeto

A relação mais afastada do pai, que era "um camarada assim, mais fechado, e que fazia horas extras de segunda a segunda" fez com que Jorge quisesse estar mais próximo do filho. "Ele até dizia para minha mãe quando chegava do trabalho: coloca as crianças para lá que eu quero descansar, assistir à minha TV. Claro que ele amava a gente, mas não era de carinhos. Com certeza, a relação que eu tenho com meu filho é mais afetiva, mais parecida com a que eu tinha com a minha mãe", descreve Jorge.

A proximidade entre pai e filho é tanta que provoca até certo ciúme por parte de Cláudia. "Adoro cozinhar. Quando estava em casa elaborava uns pratos diferentes, e ele dizia para a mãe que a comida que eu fazia era muito melhor do que a dela. Acho graça, mas sempre converso com ele, digo que não pode falar assim", diverte-se. 

Jorge sente falta de passar os dias ao lado do filho, mas não esconde que durante um bom tempo se sentiu mal no papel de "dono de casa" por não poder prover coisas que, eventualmente, a família precisasse."Quando eu não estava com vontade de fazer as coisas da casa, a Cláudia ficava chateada e dizia que, se fosse o contrário, se ela estivesse em casa e eu na rua, não teria moleza. Isso também mexeu bastante comigo enquanto estava desempregado."

Meio a meio

A relação entre marido e mulher também é fundamental para o desenvolvimento afetivo do pai. Especialistas afirmam que ao estabelecer relações mais profundas, de parceria e cumplicidade, os homens conseguem lidar melhor com os próprios sentimentos, com os da parceira e, claro, com os dos filhos. "Até pouco tempo, o homem tinha dificuldades em lidar com o que não fosse palpável, com o subjetivo. Com as relações mais complementares de hoje, demonstrar o emocional é mais comum e bastante aceito socialmente. Consequentemente, hoje os homens são capazes de processar melhor o subjetivo, compreender melhor a parceira e demonstrar mais afetividade pelo filho", explica Vera Lúcia.

O equilíbrio que o arquiteto João Luiz Martins de Oliveira tem com a mulher, Renata Bistriche, é fundamental para o relacionamento com o filho Mathias, de três anos. Ela trabalha fora, mas também tem uma participação importante nas atividades do lar e do filho. João fica em casa e cuida do pequeno, mas mantém forte o traço do pai mais tradicional - o de ter pulso firme. "É importante esse traço ser mantido. O que eu vejo no consultório são pais que, de tão sensíveis, acabam delegando a tarefa de educar apenas para a mãe, que muitas vezes também não tem autoridade", explica Ruy Pupo Filho, pediatra e autor dos livros "Como Educar seus Filhos" (ed. Alegro) e "Manual do Bebê" (ed. Elsevier).

Ao mesmo tempo em que dá bronca, João é capaz de identificar com sensibilidade as frustrações da esposa como mãe, e de valorizar o fato de que, para algumas coisas, mãe é mãe. "Eu tenho um pouco dos dois mundos: não fico constrangido ao abraçar, beijar e repetir que amo, para mim isso é essencial. Mas, até por conta da culpa que a Rê tem de ficar longe do Mathias e, por isso, chegar sempre com o coração mais aberto do que disposta a dar bronca, sou eu quem faz o papel de bravo, que impõe limites", explica João. 

Ele conta que a história de inverter os papéis aconteceu muito naturalmente, porque profissionalmente ele tinha flexibilidade para trabalhar em casa. "Eu sempre trabalhei em casa. Quando ficamos sabendo da chegada do Mathias, morava com a minha mãe, e a Renata veio morar com a gente. Deixei em aberto os planos de trabalhar em alguma corporação, de fazer cursos, e acabei acolhendo naturalmente a ideia de continuar em casa. E não deixaria isso, porque tenho a delícia de estar com ele o dia todo. Isso me ajuda a ficar bem, com o moral elevado", derrete-se João. 

A noite é a vez de Renata dar banho e ter seu momento com o filho, para depois os três ficarem juntos. "Acho importante os dois [mulher e filho] terem o momento que é só deles. Eu também tenho isso com o Mathias, e existem muitos outros que são de todos nós." Apesar de se sentir um pouco culpada por não poder ficar o dia todo com o pequeno, Renata vê com bons olhos a relação entre pai e filho. "O João entende muito mais o Mathias e, para o meu filho, ter o pai por perto é excepcional", conta Renata. 

Como João trabalha em casa, a família tem a ajuda de Zefa, que se divide entre o trabalho de casa e o de cuidar de Mathias. "Mas é diferente quando o pai fica junto, mantendo e zelando pela educação que a gente se propôs a dar", orgulha-se a mãe.

Uma nova rotina

 

Quem vê o trio sorridente e simpático composto por Luis Carlos Duraes e os filhos Guilherme, 18 anos, e Pedro, 11, pode não imaginar a força que eles têm. Há dois anos, os meninos perderam a mãe, Ana Hengler, com 39 anos, por causa de um câncer de mama. Desde então, tentam se acostumar a viver sem a presença materna. Luis tem se desdobrado e contado com a maturidade dos filhos para dar conta de coisas da casa, que a mulher não permitia que ele fizesse. "Ela era exemplar: gostava de cuidar da casa sozinha, de ver todos bem arrumadinhos", lembra. Na nova rotina, todo mundo ajuda. Pedro arruma as camas antes de ir para a escola; Guilherme cuida da maioria das refeições. "Ele é ótimo cozinheiro, herdou da mãe o talento, porque eu sou um desastre", diverte-se Luis.

O pai ainda tenta manter tradições de quando a mulher era viva, como levar achocolatado na cama para os meninos. Depois, sai para trabalhar. Quando volta, organiza as roupas e lava a louça. "Meu pai se supera muito a cada dia. Antes, ele chegava e tinha tudo na mão. Hoje, faz tudo, e se preocupa em ficar com a gente", elogia Pedro. 

Quanto à proximidade afetiva, Guilherme conta que o pai sempre foi atencioso, mas que hoje é muito mais. "Sempre fui mais apegado ao meu pai. Sem dúvida ele é mais participativo agora, porque antes ele tinha minha mãe para dividir. Se tenho um problema, inclusive com a namorada, recorro a ele", afirma. "Sou menos presente do que gostaria, mas procuro participar da vida deles, faço parte da associação de pais e mestres da escola, esforço-me para ir às reuniões. Eles carregam muita carga, e eu só tenho a agradecer, porque são meninos maravilhosos", conclui Luis. 

A força de pais como o Luis contradiz uma crença popular que diz que os homens são mais frágeis em circunstâncias emocionais. A psicóloga Vera Lúcia, da Unicamp, é responsável por uma pesquisa que mostra que, em situações de doenças, como a de Ana, os homens se saem melhor como cuidadores do que as mulheres. E muito dessa força e equilíbrio tem a ver também com a paternidade. "É impressionante como ele [o pai] consegue ficar atento ao filho, mantendo-se inteiro diante da esposa enferma e se angustiando com tudo, mas sem se desorganizar. Há algum tempo, a impressão era de que homem nenhum daria conta. Hoje, a gente precisa olhar isso de outra forma", afirma. 

Direito de pai

Outra batalha no campo da paternidade vem sendo travada na Justiça, no qual o papel do pai apenas como provedor também começa a virar história. "Com a mudança no contexto social, com as mulheres no mercado de trabalho, a atuação dos pais foi a de retorno ao lar. A lei, no entanto, não acompanhou essa transformação na mesma velocidade. Como resultado, pais que estavam acostumados com o convívio familiar passaram a ser meros visitantes depois da separação", explica Analdino Rodrigues Paulino, advogado especialista em direito da família e presidente da Associação de Pais e Mães Separados (Apase).

Ele conta que a lei ainda favorece muito mais as mães, o que pode trazer algumas injustiças. Dados da associação presidida por Paulino mostram que apenas 7% dos pais têm a guarda dos filhos. "Dez milhões de crianças e jovens são filhos de pais em litígio. Isso favorece a ocorrência da alienação parental, que basicamente é o afastamento físico e, principalmente, psicológico, de um dos pais. Essa situação traz problemas afetivos e psicológicos aos filhos", afirma.

No caso do músico Rômulo Nardes o acordo foi outro, e não precisou parar na Justiça. Ele e a mãe de Tereza, nove anos, decidiram em comum acordo que a guarda seria compartilhada. Antes de definir que a menina ficaria três dias da semana na casa de cada um, com os sábados alternados, eles passaram por diversos modelos. "A princípio, combinamos que ela passaria a semana com a mãe e os finais de semana alternados comigo. Mas a Tereza achava que quando estava comigo, por ser final de semana, tudo era festa, que tudo podia. Tentamos, depois, várias outras formas. Mas agora é melhor, porque podemos acompanhar a rotina dela na escola, conseguimos fazê-la registrar que as duas casas são dela, e que por isso mesmo ela tem regras e rotinas." 

O músico conta que a relação que mantém com a filha é de muita parceria, a ponto de, às vezes, parecer mais a relação de irmão mais velho. "Ainda assim, ela entende quando digo não, pede desculpas. Eu não consigo enxergar outro tipo de guarda. Se fosse diferente, batalharia tanto por mim quanto pelo direito da mãe também ter um tempo dedicado a si. Mas, principalmente, pelo direito de minha filha ter contato igual com nós dois."