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Crianças multiculturais - filhos de estrangeiros

Joãozinho tem cinco anos. Ele é uma criança de classe média que joga futebol, estuda, brinca, adora computadores e videogames e sonha em se tornar astronauta. Até agora, ele parece ser mais um menino comum. O que faz com que ele se destaque das outras crianças, entretanto, é a miscelânea cultural com que se depara desde o nascimento. Joãozinho, que é brasileiro, é o fruto de uma mistura diplomática: seu pai é americano e a mãe é italiana. Apesar de fictício, cresce cada vez mais esse retrato de algumas crianças que nascem no Brasil, mas são filhos de pais estrangeiros. A razão é histórica: o Brasil sempre recebeu de braços abertos milhares de imigrantes durante os séculos.

Desde o seu descobrimento, passando pelas épocas marcadas por ciclos econômicos, até a chegada da globalização e a quebra de barreiras geográficas impostas pela economia, o país se acostumou a ver seu sangue misturado e a conviver com os inúmeros sotaques trazidos por lusitanos, alemães, japoneses, franceses, holandeses, italianos, coreanos, espanhóis, americanos, entre outros. E como acontece a adaptação desse pequeno cidadão em formação frente à multiplicidade cultural? Como os pais devem dosar a questão dos valores nativos com aqueles do país hospedeiro sem inibir o desenvolvimento da criança?

Quem explica essas questões é Sylvia Debiaggi, do Instituto de Psicologia da USP, especialista em relações interculturais. Para a psicóloga, apesar da capacidade da criança de se inserir na cultura hospedeira mais facilmente que os pais, é preciso ficar atento para não transformar as diferenças culturais entre a rua e a casa em fonte de melindres e frustrações para os filhos.

Um dos grandes conflitos que podem surgir da imigração acontece nos lares de famílias orientais que vêm para o Brasil. Nesse grupo, as adaptações dos pais são mais complicadas e tem-se mais chance de acontecerem debates com os valores ocidentais e, mais ainda, latinos. "A criança pode crescer em meio a uma tensão constante de se sociabilizar com as outras crianças, para não se sentir diferente, e, ao mesmo tempo, não decepcionar os pais, que não raramente relutam em incentivar esse tipo de relação", afirma a psicóloga. Essa situação pode acontecer mesmo entre os ocidentais.

"Europeus e norte-americanos costumam ficar chocados com fatores como sexualidade aflorada e as demonstrações de afeto dos latinos. Essa comparação com a nossa cultura afetiva, por exemplo, pode trazer à tona o sentimento de rejeição e a criança pode achar que há algo errado com ela. Mas isso pode ser evitado se os pais souberem dosar as duas culturas e se o diálogo acontecer de forma aberta desde cedo", complementa.

Outro fator levado em consideração pelos profissionais que estudam a adaptação de crianças a ambientes pluriculturais é o aprendizado da língua, já que a maior parte dos pais estrangeiros opta por falar com os filhos em suas línguas-pátria. Muitos educadores questionam até que ponto é benéfico, tendo em conta a complexidade gramatical, de vocabulários e fonéticas tão distintas, ensinar ao mesmo tempo duas (e até três) línguas. No entanto, os estudos modernos mostram que as crianças têm potencial de desenvolver sonoridades diversas e aprender várias línguas simultaneamente, sem, inclusive, apresentar sotaques. "Com o tempo, a criança aprende a distinguir a língua do papai, a da mamãe (se o casal for de países diferentes) e a língua dos amiguinhos (no caso, o português)", conta Debiaggi. Sobre esse fator ocorre também que nas crianças bilíngues (ou trilíngues) a aquisição do vocabulário e a construção de frases mais complexas surgem mais tarde. Só por volta dos três anos e meio as crianças conseguem se comunicar naturalmente em todas as línguas.

 

A escola também deve ser alvo de atenção quando o assunto é convivência com culturas diversas. Se os pais quiserem preservar em parte sua cultura na criação dos filhos, procurar uma escola que tenha raízes no país de origem pode ser uma chance para fazer com que o processo de aprendizado seja menos forçado. Entretanto, nunca se deve esquecer que é impossível, impraticável e prejudicial à criança isolá-la de uma cultura que a cerca e que, no final, é a dela. Todos os conflitos, porém, podem chegar a um fim se ficar bem estabelecido em casa que não há uma cultura melhor do que a outra e que ter pais estrangeiros pode ser diferente, mas interessante.

"Todos esses receios surgem de uma confusão natural que tem a ver com a formação da personalidade da criança e que está ligada a entender quem ela é de fato e a que cultura ela pertence. Isso também é um aprendizado dos próprios pais, que não devem ter medo de perder a criança para outra cultura", defende a psicóloga, que finaliza: "Se ocorrer a abertura e o respeito individual, a própria criança vai saber balancear o quanto ela quer absorver do ambiente e manter, ao mesmo tempo, o vínculo com a cultura dos pais".