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Conserto de brinquedos - devolvendo o sonho perdido

"Essa é minha bancada preferida". Em meio a infinitas prateleiras aonde repousam ursinhos caolhos, bailarinas mancas, que ainda preservam certa elegância, e soldadinhos com "sequelas" de antigas batalhas, está Jorge Maia, concentrado, no interior da sua "oficina de sonhos" à rua Turiassu, 2137, no bairro da Pompéia.

Agora com um eletrônico e alguns objetos cirúrgicos nas mãos, que já tocaram tantas preciosidades, fantasias em forma de brinquedo, Jorge traz a lembrança de uma época inocente. Ele é a esperança de muitos pequeninos que já passaram noites em claro, chorando por um amiguinho ou uma filhinha no Hospital de Bonecas

"Herdei o negócio do meu pai e estou na região há mais de 20 anos. Antigamente era diferente, lidávamos com bonecos, cavalinhos de madeira. Agora tenho que entender de eletrônicos, fazer cursos, me especializar. Mas a magia ainda é a mesma.

Quando vejo a felicidade estampada num rostinho de criança, que acabou de reaver o seu sonho, me sinto gratificado." Nessa empreitada, Jorge Maia parece se sair muito bem. "Bate o olho" em um antigo recém chegado Genius e já dá o diagnóstico. O cliente sai satisfeito: alterna-se entre um e outro, observando os brinquedos que ainda não conseguiu consertar: "às vezes vou para casa pensando em uma solução, na manhã seguinte tenho uma luz. É preciso muita criatividade para reinventar, encontrar alternativas. Meu cliente está esperando", diz ele. Jorge tem um posto autorizado na rua Turiassu, em Perdizes, quase em frente ao Palmeiras.

O dublê de Gepeto se orgulha de seu arsenal: "Lá na frente é o atendimento, com uma parte só de roupinhas e acessórios. Aqui é apenas a oficina. Ali, à esquerda, ficam as encomendas prontas. Lá nos fundos tenho a reposição, o depósito". São dezenas de gavetas com bracinhos de Suzyes, Simones, pernas de Amiguinhas, cabeças de Alices, olhinhos de Beijocas, Xuxas. Nenês de Mãezinhas, corpinhos de Bate Palminhas recuperados, "secando" no varal. Falcons, pilhas de Máximus, cavalinhos da Tipy, caixas fechadas de Barbies, ainda nuas. Focinhos de ursos, velhos autoramas e trens elétricos. Em meio a tantas "celebridades", repousam aqueles esquecidos para sempre por seus donos. Tristes, estão lá para terminarem como alguns outros, "sentenciados de morte", por não terem mais conserto, como é o caso de um antigo Percival empoeirado: "uso-os para repor uma ou outra peça, são doadores de órgãos", ironiza Jorge, dizendo que, vez ou outra, eles "se mexem", numa forma de protesto: "deixo-os pensar que não percebo nada", brinca.

"Tenho uma cliente que mora na Itália e quis uma "Guigui", sua eterna paixão, segundo ela. Estou acabando de montar uma e enviarei para lá, via Sedex", informa ele.

Os clientes são o foco da atenção de Jorge. "Atendemos várias gerações, clientes fiéis e eventuais, que merecem o melhor atendimento possível. Teve muita gente que abriu uma loja como esta sem estrutura, know-how, e faliu. É preciso uma sintonia fina com o cliente, a gente lida com emoções", declara ele.

"É normal eu receber senhoras, já de idade, com a primeira boneca, verdadeiros objetos de estimação, presente do pai e outros parentes que há muito já se foram". Nesses casos, segundo Jorge, as peças são feitas de massa, papelão, louça ou porcelana. Então ele se transforma em artesão e reconstitui verdadeiros "cacos" com colas especiais, massas acrílicas e tintas apropriadas para retirar trincas e dar acabamento. Jorge informa que ainda não existe nada no mundo que remova a tinta de caneta de uma boneca: "as grandes fábricas já fizeram estudos, em vários países, mas não conseguiram nada", sentencia.

Mas, por outro lado, Jorge realiza verdadeiros milagres: "se me derem a cabeça e os braços de uma boneca, consigo reconstruí-la novamente", observando que a perna da Malu Roler é uma raridade no mercado, e que a Coleguinha e a Amiguinha fazem uma boa parceria - suas peças se completam. "Mas existem clientes que fazem questão da originalidade total, então seus brinquedos ficam aqui por muito tempo", fala. O hospital das bonecas matem, em média, uma rotatividade de 120 bonecas.

Ele lembra que, em alguns casos, fica impossível consertar determinado brinquedo, principalmente os importados que apresentam problemas precoces e via de regra são muito frágeis, produzidos apenas para a observação: "Houve uma época em que os importados tomaram conta do mercado, e a situação ficou difícil para nós do ramo", diz.

Embora vivendo em um ambiente de encanto e magia, Jorge já passou por "poucas e boas", como a vez em que um cliente exaltado quis destruir a loja, ao constatar a impossibilidade de ter o seu brinquedo recuperado, ou quando chegou por lá um profissional da USP, com um antigo e imenso cavalo de balanço feito em papel machê, totalmente deteriorado: "foram dias a fio de trabalho intenso. Ele foi reconstituído com jornal, massa especial, acessórios feitos sob medida, tintas especiais. Um dia antes da entrega do cavalo, que ia inaugurar um museu, um amigo esbarrou nele, deixando-o espatifar-se no chão. Passei a noite em claro repetindo o trabalho de vários dias. Na manhã seguinte ele estava novinho em folha de novo!"