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Comportamento das crianças: Identificar distúrbios

 

A professora Simone dos Santos não conseguia entender o que se passava com o filho Mateus, na época com seis anos. O garoto, como ela mesma conta, parecia viver no mundo da lua. Não prestava atenção nas coisas mais básicas. Quando atendia a um telefonema, em questões de segundos esquecia quem tinha ligado. Na escola, enfrentava dificuldades para conseguir se alfabetizar. Sua falta de organização em se lembrar ou fazer tarefas diárias era percebida por familiares, amigos e professores. Em busca de uma resposta para o problema, a mãe resolveu levar o menino a um médico.

Após uma consulta detalhada, veio o diagnóstico: Mateus sofria de TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade), um problema neurobiológico de origem genética. Simone, no entanto, saiu do consultório convencida que seu filho não fazia parte desta estatística. “Nunca tinha ouvido falar nisto. Quando o médico disse que ele deveria tomar um remédio controlado [quando só pode ser vendido sob prescrição médica], fiquei assustada”, conta. Vendo a resistência da mãe, o neurologista sentenciou: “daqui a alguns anos você vai voltar a me procurar”.

O tratamento do TDAH exige medicação. Se iniciado na infância, quando o cérebro ainda está em fase de formação, o paciente pode reverter o problema. Já em adultos, o remédio funciona apenas para controlar os principais sintomas: desatenção, hiperatividade e impulsividade – que podem aparecer isoladamente ou combinados, e em geral inviabilizam os portadores de realizarem uma sére de tarefas cotidianas. Estudos apontam que apenas um quarto dos pacientes sem tratamento, por exemplo, consegue concluir a universidade. Cerca de 40% são expulsos das escolas.

Três anos depois, a mãe procurou ajuda médica novamente. “Acompanhava o Mateus fazer lição, via que ele continuava com muita dificuldade”, diz Simone, que chegou a levar o filho a psicopedagogas e terapeutas para tentar resolver o problema. O diagnóstico do outro médico foi o mesmo. Convencida, a mãe passou a aceitar
o tratamento. O garoto começou a ingerir a medicação duas vezes por dia. Segundo ela, houve alguns efeitos colaterais no começo, como dor de barriga e ausência de apetite. Porém, a melhora foi rápida e significativa.

“Em um mês, o rendimento escolar e as notas melhoram bastante. Percebemos também que ele passou a prestar atenção ao que falávamos”, conta. Anos depois, foi a vez de a própria Simone descobrir que também sofre do mesmo problema.

Segundo Marco Antônio Arruda, professor em neurologia pela USP (Universidade de São Paulo), o maior problema para tratar o TDAH está no desconhecimento. “A maioria dos portadores não sabe que tem”, explica. Assim como Simone, é comum que os pais também possuam o problema. Eles pensam que, como foram assim quando crianças, é normal que o filho também seja desatento ou inquieto.

Por isso, quem sofre de TDAH e não recebe tratamento adequado pode enfrentar uma série de dificuldades durante toda a vida, já que não é incomum serem rotulados pelos seus sintomas. Quem sofre do transtorno é chamado de irresponsável, agressivo ou desatento. Mas na verdade possui um problema, que pode ser tratado com medicamentos e, em alguns casos, com o auxílio de terapia.

O médico, no entanto, faz questão de salientar que nem todas as crianças ou adultos com estes comportamentos sofrem de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade. “É necessário fazer um estudo clínico detalhado antes de se chegar ao diagnóstico”, orienta. A medida da preocupação, para Arruda, é a seguinte: “se um dos sintomas afetar consideravelmente a vida da criança, deve-se consultar um médico.”

Entenda o TDAH

O Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, conhecido como TDAH, é um problema de origem genética. É causado por alterações na região frontal do cérebro e em suas conexões, responsáveis pelo autocontrole, memória, organização, planejamento e capacidade de prestar atenção. Apesar de pouco conhecido, o problema afeta cerca de 4% da população brasileira, segundo dados da ABDA (Associação Brasileira do Déficit de Atenção). O TDAH faz com que os portadores fiquem dispersos, desatentos e sejam incapazes de se concentrar em alguma coisa por muito tempo. É tratado com remédios controlados e, em alguns casos, com terapia.

Confira as principais situações enfrentadas por uma criança que tem o problema

  • Não consegue prestar muita atenção a detalhes ou comete erros por descuido nos trabalhos;
  • Não segue instruções até o fim e não termina deveres de escola;
  • Distrai-se com estímulos e se esquece de realizar atividades cotidianas;
  • Mexe com as mãos ou os pés ou se remexe na cadeira frequentemente;
  • Corre de um lado, sai do lugar na sala de aula ou sobe demais nas coisas em situações inapropriadas;
  • Parece não estar ouvindo quando se fala diretamente com ele;
  • Está sempre a mil por hora, tem dificuldade em participar de brincadeiras ou atividades de lazer de forma calma;
  • Evita, não gosta ou se envolve contra a vontade em tarefas que exigem esforço mental prolongado;
  • Tem dificuldade para organizar tarefas e atividades;
  • Perde coisas necessárias;
  • Fala em excesso ou responde a perguntas de forma precipitada, antes de elas terem sido terminadas. Possui extrema dificuldade em esperar sua vez.

Fonte: Marco Antônio Arruda, neurologista