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Armazenamento das células-tronco


A preocupação com os filhos nunca tem fim. Contudo, atualmente é necessário um número maior de escolhas que vão além de decidir a maternidade, o médico e a escola para garantir o futuro dos pequenos. Logo antes do nascimento surge a dúvida: guardar ou não as células-tronco, que estão no sangue do cordão umbilical, para poder usá-las no futuro?

O armazenamento das CTE (células tronco-embrionárias) tem sido cada vez mais procurado. Segundo o Instituto de Pesquisa de Células-Tronco, no primeiro quadrimestre de 2011 a procura cresceu 148% em relação ao mesmo período
no ano passado.

As Células Tronco são células-coringa, responsáveis pela formação de todos os músculos, ossos e órgãos do ser humano. Não à toa, também são chamadas de célula-mãe. São capazes de gerar diferentes tipos celulares e reconstituir tecidos. Por isso, podem ser usadas para substituir células afetadas por câncer, por exemplo. “É uma célula inteligente. Quando injetada no corpo vai à busca de processos inflamatórios presentes no organismo”, conta a doutora Adriana Homem, diretora das unidades do BCU (Banco de Cordão Umbilical) Brasil.

Elas se espelham nas células “boas” do local em que se encontram para regenerar o tecido doente. Um dos casos onde os transplantes das células-tronco já são utilizados é no combate à leucemia. Primeiro é feita a quimioterapia, para matar as células cancerígenas – mas o procedimento mata as boas, também. Restam apenas algumas saudáveis para as CT se espelharem e virarem uma medula nova, sem as características cancerígenas de antes.

Como guardar as células-tronco
Antes de optar pelo armazenamento, é recomendável que os pais façam uma pesquisa sobre o assunto, os procedimentos e os lugares que oferecem esses serviços. Geralmente a abordagem ocorre nas primeiras visitas ao médico ou à maternidade. “A família nos contrata antes do nascimento do bebê e comunica o momento do parto”, explica a doutora Maria Helena Nicola, responsável pela área de consultoria científica
da Cryopraxis. O mesmo procedimento é realizado pelos outros bancos.

Na hora do nascimento, um profissional da empresa ou o próprio médico da gestante realiza a coleta do sangue, que leva em média dez minutos. “A coleta não mudou absolutamente nada na hora do parto. Para falar a verdade, nem vi os médicos da clínica. É tudo muito rápido e tranquilo”, conta a advogada Glaucia Uliana, que realizou o procedimento no parto do segundo filho, há quatro anos. “Não percebi nenhuma diferença em relação ao nascimento da minha primeira filha.”

Há casos, porém, em que o armazenamento não é possível devido ao baixo numero de células coletadas. Não há explicações definitivas para a variação da quantidade de CT. Sabe-se que crianças que nascem de nove meses, por exemplo, têm mais células--tronco na hora do parto. Os prematuros possuem menos. Em cordões calcificados
precocemente – quando ele deixa de cumprir suas funções, principalmente a de nutrir o bebê – a dificuldade da coleta é maior.

A maioria das famílias que armazena opta pelo serviço por prevenção. Mas em alguns casos, como quando há histórico anterior de doenças, o procedimento é quase uma garantia de que, no futuro, as crianças estarão protegidas. “Procuramos o armazenamento por já termos casos de doenças congênitas na família”, explica Glaucia. “Quando tivemos nosso primeiro bebê, há sete anos, ainda não se falava no assunto. Com o nascimento do João foi diferente. Coletamos o máximo de células possível para que, caso seja necessário, os dois possam usar no futuro”, conclui.

Do ventre ao banco
Após a coleta – que tem de ser feita na hora do parto e com a bolsa estourada há menos de 12 horas – o material é transportado até os laboratórios, onde é processado, acondicionado, congelado e armazenado em tanques, em áreas de segurança máxima. No caso da Cryopraxis, esse armazenamento é feito em uma bolsa bipartida (com duas divisões), que garante mais de uma oportunidade de descongelamento. No BCU, as bolsas também são bipartidas, mas segundo a diretora Adriana Homem serão substituídas por bolsas pentapartidas (cinco divisões) até o final do ano. A vantagem de recipientes com várias divisões é a possibilidade de tratar várias doenças, por não ter que descongelar todo o sangue de uma só vez.

Doenças como linfomas e leucemia geralmente demandam o uso de todo o conteúdo armazenado. Caso a pessoa tenha utilizado o estoque para outros problemas e venha a desenvolver algum outro que também necessite de transplante de célula-tronco, a solução é procurar um doador compatível, como é feito tradicionalmente. Nos Estados Unidos é realizado o procedimento de expansão celular, que consiste na multiplicação em laboratório das células-tronco já armazenadas.

Contudo, ele é proibido no Brasil. É possível fazer o tratamento lá, mas existem processos burocráticos, para  transportar as células-tronco armazenadas aqui, para não correr o risco de ser caracterizado como tráfico de órgãos.

Contratar os serviços de um banco custa de R$ 2.800 a R$ 3.000, com manutenções anuais que variam de R$ 600 a R$ 3.000, dependendo da empresa. O valor elevado se dá, principalmente, pelos equipamentos tecnológicos de última geração que são utilizados. Mas os preços estão caindo: há alguns anos, o armazenamento custava o equivalente ao preço de um carro popular. Apesar do sucesso no tratamento de algumas doenças, ainda não é possível dizer que as células-tronco são a cura para todos os males. Pesquisas usando as CTs no tratamento de doenças como AVC, esclerose múltipla, distrofia muscular, tetraplégicos e cegueira pós-nascimento estão em andamento, mas o resultado positivo não está 100% comprovado.

Você sabia?
A polpa dentária dos dentes de leite também contém células-tronco. O efeito é o mesmo das presentes no cordão umbilical; no entanto, a quantidade é menor: cerca de 150 milhões, contra 500 milhões do cordão. Apesar de menos células, a coleta poderá ser uma solução para os pais que não armazenaram no parto. A coleta da polpa dentária está prevista chegar ao país no ano que vem.

Doação que salva vidas

Deixar as células em bancos públicos pode ajudar pessoas que já estão doentes. O Ministério da Saúde tem um programa de incentivo à doação de células-tronco para os bancos públicos. Há uma legislação em relação a essa doação. A gestante tem de ter acima de 18 anos, ter feito pelo menos duas consultas de pré-natal e estar com 35 semanas ou mais de gestação na hora do nascimento. Além disso, a mãe não pode ter doenças ou complicações no trabalho de parto. Só são armazenados cordões que tenham no mínimo 500 milhões de células.

“É um limite para que o produto tenha uma perspectiva grande de uso”, explica Andréa Tieni Kondo, médica do banco público do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Muitas mães desistem de doar quando descobrem que o hospital escolhido não tem banco público. Em São Paulo, apenas o Albert Einstein (que também presta o serviço para o Hospital Municipal Dr. Moysés Deutsch, mais conhecido como hospital do M’Boi Mirim) e o Sírio-Libanês possuem o serviço de coleta. São apenas 11 bancos públicos no Brasil.

A funcionária pública federal Patrícia Mangili realizou a doação. “Quando comecei a pesquisar sobre o assunto, percebi que existia um verdadeiro comércio. As coletas particulares cobram altos valores e, apesar de ter de pagar a taxa anual, não há garantia absoluta de uso”, explica. Patricia conta que não foi fácil achar um local que realizasse o procedimento. “Todas queriam me vender o armazenamento em banco privado.”

No final, ela optou pelo Einstein. Apesar da dificuldade, as médicas desmentem possíveis disputas entre os bancos públicos e privados e dividem a vontade de um trabalho maior entre eles, para poder melhorar a qualidade do serviço no país. Em alguns países como na Espanha, por exemplo, o sistema é público-privado, o que gera benefícios para mais pessoas.

Todos os cidadãos podem utilizar as CT dos bancos públicos, independentemente de terem doado ou não. Não há privilégios, e a prioridade é definida de acordo com diagnósticos e status das doenças. Apesar de a doação de Patricia não ter sido aproveitada por causa do baixo número de células, ela garante que doaria quantas vezes fossem necessárias. “Queria que meus filhos nascessem em um mundo com mais possibilidades, com mais humanidade e conscientes de seu papel na sociedade”, explica.