A capoeira conquista as crianças
A capoeira surgiu no Brasil como luta de resistência dos negros escravizados contra os brancos. Era um grito de liberdade e uma forma de manter as tradições africanas. A capoeira sofreu muitos preconceitos ao longo de séculos, sendo uma prática que não se integrava à sociedade.
Hoje, a capoeira é mais um jogo-dança do que uma luta. Até meados deste século ainda era vista como uma manifestação isolada de negros. Foi só a partir da década de 80 que a capoeira passou a fazer parte do cotidiano do brasileiro, rompendo barreiras do preconceito e ganhando espaço não só no Brasil como no mundo.
A capoeira vem ganhando mais espaço nas instituições educacionais: escolas de primeiro e segundo graus e universidades. Segundo o professor de Educação Física Gladson Oliveira Silva, do Centro de Práticas Esportivas da Universidade de São Paulo (CPUSP), a capoeira, se iniciada desde cedo, ajuda a criança a desenvolver o ritmo, com a música e o bater de palmas. E privilegia também a coordenação motora, porque mexe com todo o corpo por meio de vários exercícios: correr, saltar e a prática de alongamentos.
Além de um completo exercício físico, a capoeira contribui ainda para criar um espírito de equipe, já que é um jogo onde todos participam. Enquanto uns tocam, cantam e batem palmas, dois alunos conversam com o corpo. "Uma roda de capoeira é um círculo mágico onde os participantes encontram o desafio de se expressar e de se ajudar", afirma Gladson.
Capoeira na escola
Muitas escolas brasileiras vêm adotando a capoeira como uma das atividades oferecidas aos alunos. No colégio Logos, em São Paulo, devido à grande procura por pais e alunos, o curso foi criado há três anos. A pedagoga Maria Tereza Faria Queiroz, coordenadora do Integral Flexível da Escola Logos, diz que essa atividade tem uma importância cultural muito grande, já que, junto com os exercícios e jogos da capoeira, o aluno entra em contato com uma manifestação típica brasileira que surgiu na escravidão, período longo da nossa história.
As crianças também aprendem a respeitar os alunos mais velhos e os mestres da capoeira, valorizando o ensinamento de quem sabe mais, acrescenta Maria Tereza. Os rituais de graduação e a passagem de uma corda de determinada cor para outra também incentivam as crianças a se envolver com a prática da capoeira, assinala a educadora.
Jogo de colaboração
Todos dentro do jogo têm um papel a desempenhar. Um deve colaborar com o outro. Quando o aluno entra na roda não pode ficar passivo, tem que participar. A base da capoeira é a integração. Os grupos, em geral, são heterogêneos, ou seja, reúnem crianças e adolescentes de diversas faixas etárias. Muitas vezes, são alunos de graduações diferentes jogando a capoeira juntos, o que leva as crianças a perceber e conviver com as dificuldades do outro, construindo, assim, uma relação de respeito entre os participantes.
O fato de a capoeira ter sido criada por negros e representar a cultura afro-brasileira também leva as crianças a se aproximarem das raízes culturais do país, por meio da vivência do ritmo, da música e da dança. "O contato dos alunos com o nosso professor Wellington, que é negro, desenvolve nas crianças a admiração, o respeito e a afetividade em relação ao mestre", conta Maria Tereza.
Muitos projetos com crianças de rua envolvendo a capoeira também têm obtido bons resultados. Isso porque a capoeira acaba trabalhando a criatividade e a autoestima da criança, além do aluno se sentir amparado por um grupo que o entende e acredita no seu desenvolvimento.
Em São Paulo, todos os anos são realizados encontros entre crianças de classes sociais diferentes: crianças da favela com crianças da classe média e alta para jogar a capoeira. Nesse encontro, onde as regras são iguais para todos, não existe diferença e, sim, uma vontade de se comunicar com o outro por meio da expressão do corpo. Dessa forma, abrem-se portas para a percepção e o reconhecimento do caráter extremamente revolucionário da capoeira: a integração.